domingo, 28 de dezembro de 2008

Em que Quase Apareço na Tevê Húngara

Nalgum ponto entre Budapeste e Veneza
(mais pras bandas de Budapeste)

O livreto de horários dos trens jurava que o trem para Ljubljana partia às 12:50 da estação de Déli no lado ocidental da capital húngara. Após correr feito um louco – o restaurante em que comia demorou para trazer-me o prato... – e, mais impressionante, orientar-me pelas placas no idioma local, cheguei a tal da Déli pályaudvar para constatar que o trem já havia ralado peito. Boladaço fui perguntar a um fuão onde raios poderia estar a máquina que me levaria à Eslovênia. Muito simpática e solicitamente, ele foi informar-se mais minudentemente no seu torpe idioma e fiquei sabendo – tchantchã! – que, durante esta semana, decidiram adiantar a partida para meio-dia. Não me restou senão pegar novamente o metrô e desembarcar na estação em que chegara no dia 26, a Keleti, que mais parece uma igreja, e tentar o trem noturno para Veneza. Como houvesse necessidade de reserva, fui à cata dum guichê onde me orientasse. O diálogo ia bem, apesar das minhas desconfianças: o caboclo insistia que não era necessária a reserva e eu perguntava o porquê de ela estar indicada no livreto. Até aí era apenas um diálogo de surdos, mas acabamos entrando numa discussão de política internacional. O trem passava pela Croácia e Eslovênia e o homem que deveria esclarecer-me sobre a reserva começou a perorar sobre o acordo de Schengen, sobre a nação croata ser a ovelha negra da Europa, que eu deveria estar feliz de viver num país próspero como o Brasil, que diferenças sociais havia em todos os lugares e que a História era a mesma há dois mil e cacetada anos (o único ponto com que concordei). Naturalmente a reserva era obrigatória e tratei de fazê-la diretamente no guichê de venda de passagens.
Os húngaros revelaram-se mais simpáticos na sua maioria do que esperava, porém uma minoria não desprezível se assemelha a um cruzamento de argentino com paulistano. A atendente do superbar Szimpla, carrancuda e dando porrada nas garrafas, só faltou responder ao meu pedido com um murro nos cornos e arrematar:
- Tu não tem que pedir porra nenhuma aqui, não, seu bosta!
Todavia talvez fosse nada pessoal, porque ela atendia as donzelas sempre mais amigavelmente...
No supermercado perto do albergue, onde uma virago de cabelos grisalhos cacheados patrulhava no caixa, fomos seguidos por um dos atendentes ao vaguear por entre os corredores, decerto para impedir-nos de eventualmente furtar algo. E não bastasse isso, o teto, à la motel, era espelhado para que nada escapasse do panótico da Generala Caixa!
Lá na estação fiquei abandonado, cachorro sem dono, trapo velho, mofando pelo trem, já que o grupo de brasileiros se desfez e cada um foi buscar seu destino (oh!). Ao passar diante duma câmera e uma repórter, ouço uma engrolada no cangote. Viro e deparo-me com uma morena alta e bonitona que prosseguiu a vomitar cacos de fonemas. Saindo da letargia, tive de decepcioná-la:
- Sorry, I’m brazilian – frase relativamente antipatriótica, ainda mais pelo tom de pranto com que a proferi.
- Oh, so you don’t speak hungarian! – lamentou a jornalista a minha pouca proficiência no idioma.
Se tivesse aprendido húngaro antes de vir para cá, poderia ter até pintado na tevê local dando entrevista! Não sei do que se trataria a matéria, mas para ela julgar-me adequado, estou certo de que deveria se algo em torno dos mendigos que habitam a estação ou a juventude drogada no Leste Europeu (sem ver tesoura há mais de dois meses e pente desdo Brasil, meu cabelo está o dum poeta romântico).
Ai! As quase quatro horas que passei em Keleti com os auto-falantes a murmurar os avisos incompreensíveis numa acústica digna de Central do Brasil! E o pior é que eles vinham precedidos por dois sinais sonoros: um igual a uma minigueime ou toque de celular paroara; o outro, um crescendo de teclado em oitavas.
O tempo restante tratei de torrar os florins – dinheirinho Mabel – que teimavam em sobreviver, já que, para mim, a partir das 16:35 de hoje, essa moeda e papel higiênico se transmutaram na mesma coisa.
No trem, em poucas horas de viagem, já soltaram duas bufas siderais, aliás, o que já percebi, um mau hábito europeu: flatular nos transportes públicos hermeticamente fechados. Em Berlim, cometeram até o sacrilégio de peidar na sala dedicada a Nefertiti! Quem mais sofre nessa é o ser com o olfato mais atilado no vagão depois de mim: o pobre cocker spaniel caramelo que jaz deitadinho com orelhas murchas no chão.

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