Em que Quase Apareço na Tevê Húngara
(mais pras bandas de Budapeste)
Os húngaros revelaram-se mais simpáticos na sua maioria do que esperava, porém uma minoria não desprezível se assemelha a um cruzamento de argentino com paulistano. A atendente do superbar Szimpla, carrancuda e dando porrada nas garrafas, só faltou responder ao meu pedido com um murro nos cornos e arrematar:
- Tu não tem que pedir porra nenhuma aqui, não, seu bosta!
Todavia talvez fosse nada pessoal, porque ela atendia as donzelas sempre mais amigavelmente...
No supermercado perto do albergue, onde uma virago de cabelos grisalhos cacheados patrulhava no caixa, fomos seguidos por um dos atendentes ao vaguear por entre os corredores, decerto para impedir-nos de eventualmente furtar algo. E não bastasse isso, o teto, à la motel, era espelhado para que nada escapasse do panótico da Generala Caixa!
Lá na estação fiquei abandonado, cachorro sem dono, trapo velho, mofando pelo trem, já que o grupo de brasileiros se desfez e cada um foi buscar seu destino (oh!). Ao passar diante duma câmera e uma repórter, ouço uma engrolada no cangote. Viro e deparo-me com uma morena alta e bonitona que prosseguiu a vomitar cacos de fonemas. Saindo da letargia, tive de decepcioná-la:
- Sorry, I’m brazilian – frase relativamente antipatriótica, ainda mais pelo tom de pranto com que a proferi.
- Oh, so you don’t speak hungarian! – lamentou a jornalista a minha pouca proficiência no idioma.
Se tivesse aprendido húngaro antes de vir para cá, poderia ter até pintado na tevê local dando entrevista! Não sei do que se trataria a matéria, mas para ela julgar-me adequado, estou certo de que deveria se algo em torno dos mendigos que habitam a estação ou a juventude drogada no Leste Europeu (sem ver tesoura há mais de dois meses e pente desdo Brasil, meu cabelo está o dum poeta romântico).
Ai! As quase quatro horas que passei em Keleti com os auto-falantes a murmurar os avisos incompreensíveis numa acústica digna de Central do Brasil! E o pior é que eles vinham precedidos por dois sinais sonoros: um igual a uma minigueime ou toque de celular paroara; o outro, um crescendo de teclado em oitavas.
O tempo restante tratei de torrar os florins – dinheirinho Mabel – que teimavam em sobreviver, já que, para mim, a partir das 16:35 de hoje, essa moeda e papel higiênico se transmutaram na mesma coisa.
No trem, em poucas horas de viagem, já soltaram duas bufas siderais, aliás, o que já percebi, um mau hábito europeu: flatular nos transportes públicos hermeticamente fechados. Em Berlim, cometeram até o sacrilégio de peidar na sala dedicada a Nefertiti! Quem mais sofre nessa é o ser com o olfato mais atilado no vagão depois de mim: o pobre cocker spaniel caramelo que jaz deitadinho com orelhas murchas no chão.
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