Temos ido muito a museus e devo confesar que, sempre que vejo o pessoal fazendo fotografias nas seções dedicadas ao período de 1933-1945, minha neurose vê ali um cripto-nazi. De fato, é impossível andar por estas ruas sem deixar de sentir algo de pesado e assim, pelo visto, continuará por alguns séculos: os francês conhecidos por Pierre, bebedores de vinho; os italianos como falastrões, mafiosos, amantes de ópera e massa; os russos alcoólatras; os latinos (indistintamente) sensuais e supersticiosos; mas aos alemães, querendo ou não, as lembranças de suásticas continuarão e continuarão.
Já de cara com o campo, lê-se a famosa frase Arbeit macht frei ("O trabalho liberta"). Levando-se em conta que os nazistas a julgaram conveniente para pôr nos portões de estâncias turísticas como Treblinka, é de perguntar-se sobre quão perversa seria a natureza do trabalho, cuja origem etimológica aliás está num instrumento de tortura. Argumentum ad Hitlerum, eu sei, eu sei...
Só sei que deu para sentir nalguma medida a condição dos internos, porque fazia um frio do cão, estava faminto e implorava por descanso. E, enquanto isso, nosso guia, o cruel Jaiminho, ele próprio um judeu sobrevivente do Holocausto, empurrando sua bicicleta "para evitar a fadiga", parava em cada lugar para falar alguma coisa:
- Essa estela relembra a morte dos soldados inglesses que aqui estiveram confinados e que...
- Diante dessa árvore fulano foi fuzilado e...
- Naquela esquina conheci minha esposa....
Só sei que por volta das 15:30 o grupo já se havia desmontado e eu saí atrás dos cornos que conheço, pedindo ao guia que me esperasse. Após rodar uma parte do campo - que naturalmente é grande pacas - não só fiquei perdido dos meus colegas, mas também do guia. Resultado: quedei abandonado numa campo de concentração. Cagão que sou, devo confessar que não foi sem alguma calça-frouxice que vaguei sozinho por entre as celas dos internos.
Pedindo arrego daquele lugar escabroso (usei o adjetivo porque há anos não o emprego), saí correndo de volta à estação de trem, onde fiquei a esperar o povo multinacional.
(Brasileiro é foda: como já esperado, não foram poucos os que tiraram fotos rindo como se estivessem na praia.)
O frio bizarro que fez hoje, no meio do campo aberto, foi a terceira adversidade que encontrei até agora. A primeira foi a Escada da Morte desta casa de Tempelhof. Faceiramente na terça-feira, enquanto ia alegre para minha aula, carregando o notebook na pasta, nos últimos quatro degraus tomei um estabaco 9,8 na Escala Richter. Não só derrubei a pasta como dei um carrinho numa bicicleta que caiu com esporro de explosão atômica. Quando me levantei, sob os olhares assustados duma velhinha, paciente da Frau Mehl, fingi que estava tudo bem, que nada havia acontecido, que no Brasil é o costume local em matéria de descida de escada. Só sei que merdalhança não foi mais dramática porque não derrubei o vaso Ming com as cinzas do pai da anfitriã.
A segunda adversidade é a câmara vagabunda que não funciona direito à noite. Conjugando isso à minha inépcia fotográfica, resulta que preciso bater mil fotos para obter uma que preste minimamente e, dessas, apenas uma em dez é publicável. Para terem idéia, a foto abaixo não foi tirada dum experimento com partículas subatômicas nem duma pintura abstrata:
"O capitalismo normatiza, destrói, mata", foto tirada naturalmente em Berlim Oriental. Também morando num prédio desses até Adam Smith seria contra o capitalismo.
5 comentários:
ai... adoro kitsch...
caro álvaro,
descansar é com S.
obs.: embora minha condição amorosa não seja muito beneficiada pela distância de alguns mil km, incluindo um oceano, creio (com a esperança de meus 20 anos, que você insiste em recordar) que CORNA ainda não sou.
abraços!
Pô, Rita, tu sacaneia minha letra no quadro, zomba da minha dificuldade de escrever "Kontakmöglichkeiten" e ainda por cima esculhamba minhas deficiências ortográficas no vernáculo... Depois cai no Spree sem ninguém enteder...
Obs.: É "Kontaktmöglichkeiten"!
Álvaro,
Não fale mal do Largo do Bicão, que é no meu bairro!!!!!!!!!
Rsrsrsrs!
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