terça-feira, 25 de novembro de 2008

Pobremas téquino

Berlim



No domingo, assim que cheguei ao aeroporto de Barajas em Madri após um vôo de quase dez horas (metade das quais com gases inflando minha pança feito um balão -- vide por gentileza hipótese infra), a primeira coisa que tentei fazer para matar as seis horas entre os vôos foi escrever um relato diretamente da capital espanhola, mas, ao contrário de todas minhas expectativas, não havia rede uaifai no prédio, cuja sofisticação. aliás, mesmo num país norte-africano, só fez apequenar minha cucaratchice.

Em verdade, a primeira coisa que fiz em Barajas foi, em protesto contra o mal-tratamento dispensado aos nossos concidadãos, introduzir um emigrante ilegal nos banheiros do aeroporto. Sim, sim, caro leitor, estranhe sim essas confissões escatológicas dalguém tão circunspecto como eu, mas julgo o fato digno de nota, pois normalmente os vôos mexem com a saúde da minha flora intestinal. A explicação, creio, estar no fato de que, a tantos mil metros de altitude, a pressão do ar diminui e, por mais que a cabine seja pressurizada, há sempre alguma diferença com o nível do mar; você, camarada esperto, se lembrar das aulas de Física e da Equação de Boyle, verá que quem necessariamente nessa situação tem de se expandir é o pobre do gazinho aprisionado na sua pança... E para desbancar qualquer veleidade duma superioridade no comportamento da gringalhada -- pois que o vôo era composto basicamente de europeus ou aspirantes -- houve quem desapiadamente soltasse uma bufa, com o agravante de tê-lo feito no ar rarefeito!
Cheguei em Berlim por volta das 20:00, o que não só significa que estava escuro, mas também frio. Não usarei a famosa locução adverbial de que alguns brasileiros lançariam mão para qualificar o clima (i.é. "pra caralho"), porque (espaço para a incredulidade geral), embora fizesse 1º C, o frio era plenamente suportável com um fuleiro casaco de moletom comprado na Senhor dos Passos. Quem se lembra dos maus-bocados que passei em São João del-Rei talvez perceba que fui imunizado contra esses perrengues.
Minha primeira decepção com a Civilização veio rápido. Mais rápido do que minha decepção com meu alemão, ao qual metade dos interlocutores fazia questão de responder em inglês. Falo do metrô: após descer em Tegel e pegar um ônibus para a estação de Kurt Schumacher-Platz, trombei com composições tão ou mais esculhambadas do que os da Supervia; bancos, paredes e vidros pichados; maquinário relíquia quiçá dos anos de Bismarck (ou antes, do General Zollverein); estações relativamente (padrão europeu) imundas e equiparadas em feiúra a Acari/Engenheiro Rubens Paiva, de longe a mais monstrenga do nosso raquítico sistema metroviário. Curiosamente o trem urbano (S-Bahn), o análogo alemão da Supervia, é muito mais limpinho e bonito. De qualquer forma, há algo admirável: o metrô vai para todos os lugares, rede cuja extensão, no atual ritmo, só atingiremos em 3048, quando finalmente o teletransporte for inventado, e há verdadeira integração entre todos os transportes dentro da parte interior da cidade. Por exemplo, pode-se comprar (o que fiz) um bilhete mensal (Monatskarte) por 72,00 euros (e não 450 como alguns pensariam...) e viajar quantas vezes se quiser de metrô, trem, ônibus, bonde, cavalo, charrete, disco voador, pégaso, vassoura de bruxa e, por que não?, do mais avançado sistema de locomoção jamais desenvolvido, a tobata!
O mais impressionante é que não há quase nenhum controle sobre a venda dos tiquetes. Não há roletas na estação tampouco seguranças. O metrô é um buraco no chão onde se entra e vai diretamente à plataforma. Mas como se conta com o bom senso das pessoas, elas põem (se não compraram a Monatskarte) 2,10 euros e tiram seu bilhete para usarem o sistema de transporte por determinado tempo. De vez em nunca, entra um fiscal para conferir os bilhetes: quem estiver de gaiatice paga de 40 contos de multa.

Aí, vejam vocês, conversando com uns camaradas brasileiros lá no Goethe, eis o que descubro? Que um fuão não só compra os "tique" apenas vez ou outra como também achou muito bonito fumar dentro da estação. E não estamos falando de gente, em termos de instrução, tosca!

Não foi sem tupiniquim alegria que, mal chegado a Tempelhof, o bairro onde estou alojado, vi pela primeira vez a neve! Sim, é brega, eu sei. Sim, parecia alegria de debutante, eu sei. Mas, como muita coisa aqui, também a neve -- até ela, tão branquinha e pura -- decepcionou-me! Pois que a neve não passa, meus caros, de gelo de congelador ralado! E, aliás, ela é mui escrota porque gosta de se intrometer nos zóios alheios. Uepa!

Minhas expectativas quando à minha anfitriã se revelaram em parte ao avesso: em vez de morar no porão, moro no sótão (vide foto duma ensolarada manhã berlinense da lucarna dos meus aposentos). A Sr.ª (aqui, como sou estrangeiro, latino e calça-frouxa, emprego estruturas formais ao extremo) Mehl-Przibylla -- não, não tenteis pronunciá-lo... -- é uma médica homeopata e eu, com minha contumaz delicadeza, contei a resposta que havia dado à minha mãe sob a possibilidade de eu passar por um tratamento homepático de ziquiziras gástricas:





- Mas eu acredito na medicina ocidental! Quem está doente, precisa de remédio!

Mas, claro, tornado hipócrita pela força das circunstâncias, tratei de atenuar o comentário da forma que pude com meu alemão quebrado.




De forma geral, ao contrário da opinião coletiva, os "alemões" trataram-me com muita gentileza, um ou outro apenas respondendo aos meus "Entschuldigen Sie" com um seco "Nein!" ou simplesmente não falando nada. Houve até um senhor, a quem pedira informação durante minha chegada, que, vendo-me sem moedas para comprar o bilhete do metrô e não as tendo para trocar por minhas cédulas, dispôs-se de bom grado a pagar-me a passagem, mas, salvei a honra do Brasil varonil, quando cutuquei o fundo da calça e encontrei exatos 2,10 do troco do ônibus! Garanto para os de mente pecaminosa de que esse senhor, parente distante do Tarso Genro talvez, foi apenas gentil e não um pervertido interessado em garotinhos morenos...

Esteticamente a cidade não é impressionante: as fachadas são simples e nem de longe tão charmosas quanto o que restou das construções antigas de Escrotópolis. Há algo claramente obtuso nelas, sem-sal. Mas, a despeito da sensaboria, o conjunto é sumamente harmônico e o visu citadino agrada, exceto as óbvias monstruosidades como a com mais de 350 metros Berliner Fernsehturm, um supositório gigante que, cravado no meu do coração histórico da capital alemã, só poderia ter sido construída pelo megalomaníaco lado oriental. Mesmo os prédios modernos seguem, no geral, gabaritos bem delimitados (uns seis andares em média) e têm a preocupação em manter alguma coerência arquitetônica.

Ainda assim, há muitas partes degradadas, principalmente, pelo que vi, na porção leste: pichações não são infreqüentes e nalgumas ruas se encontram papéis aqui e ali. Esse último ponto merece um esclarecimento sobre o poder público na cidade: lixeiras na cidade são raríssimas, quase tão raras quanto ursos-pandas no Rio de Janeiro, e, apesar disso, não há muita porcalheira; e, após minha chegada ao aeroporto de Tegel, só vi dois policiais na rua! Ou seja, as coisas aqui conseguem funcionar sem muito Estado (certo, certo, o sistema de transporte é estatal...).

O clima produz efeitos interessantes. Embora neve, o ar é muito seco e mesmo eu, que tenho pele oleosa, sinto-me aqui um réptil. Por alguma razão que me é incógnita, mas provavelmente vinculada à baixa umidade do ar, o cheiro do sabonete não "pega" e as pontas dos meus dedos têm um odor estranho, como o de quem fica com calos ao tocar guitarra. Suar é impossível, só mesmo debaixo dos lençóis. A remoção, no entanto, da meleca é muito simplificada, uma vez que se forma no nariz tão sólida quanto uma viga.

(Pausa para esgares de nojo.)

Aos incrédulos, à polícia da higiene, declaro que tomo banho diariamente e, pasmai, frio. "O banho quente, além de debilitar os centros nervosos e propiciar histerias em mulheres e melancolia nos homens, não nos prepara para a porrada que o ar, cedo ou tarde, dá" (PHILLIP-MORRIS, Dr. John. Tratado de Medicina Moderna, 1768).

Um dia aí descrevemos a turma pseudointernacional do Instituto Goethe (quase um terço é de brasileiros...) e minhas andanças por essa sombria Berlim.

P.S.: Aqui fica meu agradecimento a Ana, que gentilmente levou este pobre homem, professor, feio, sem carro e ficando careca, ao Galeão. Agradeço também aos desocupados, digo, acompanhantes Lívia, Lenzi e Wallace.

6 comentários:

Discípula de Hatshepsut disse...

Tudo estava bem, até mesmo a parte dos gases revoltos...mas você tinha que estragar o comovente relato com o lance da meleca-diamante????
Quanto ao banho, eu realmente duvido que você o esteja tomando,pois é muito estranha a rapidez com a qual tocou neste assunto (está se justificando, né?). Como se não bastasse a mentira, ainda vem com a história do banho frio.A gente entende...não tomar banho é questão de sobrevivência, ou a limpeza ou a hipotermia. Espero que vc tenha levado bastante lencinho umidecido!

Liv disse...

eu realmente seria uma pessoa melhor sem ler esses seus comentários sobre gases.

Unknown disse...

Vejo que você enfim sentiu na pele os efeitos perversos da inversão da ordem dos gases e dos sólidos no corpo humano, tal qual como explicado pelas teorias dos compêndios lênzicos na terça-feira pré-pizza.

Força Figueiró! (esse comentário corre o risco de cair na infâmia)

Dupla Personalidade disse...

Aqui que não é frio ele conseguiu tomar banho de 1 hora e não me venha dizer que foi frio!!!

Unknown disse...

Caraca, Álvaro... Pela primeira vez ouço um relato da tua vida intestinal.

E vem cá... Desde quando és moreno?

Unknown disse...

caraca, teu quarto tá bem bonito. super clean! arrasou!