segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Jerusalém Reconquistada

Rio de Janeiro

O sonho acabou! E mais trágico que o fim dos Beatles, porque destes ao menos sobraram as canções, que eram o que importava, enquanto a mim da Europa só restam fotos e dívidas... E a despeito dos perrengues colossais na reta final, quando, conforme previsto, conheci o frio, a fome e a solidão, sinto saudades dos tempos felizes em Berlim, onde vivia como um rei: Frederico II com gastos de morador de Costa Barros. Minha casinha em Tempelhof; o teto baixo no sótão onde sempre metia os cornos; o metrô tosquinho; o Hackescher Market e seus tijolinhos; o restaurante vietnamita; as caminhadas pela Unter den Linden; o imóvel Spree; os museus; os kebabs que me mantiveram vivo...
Os meus últimos momentos de Europa foram desesperadores. Na véspera do reveiom, dormi na Centrale em Milão e às 07:05 voltava a Munique, onde cheguei perto das 16:00. Praticamente sem dinheiro algum, tive de recorrer à mais eficiente e sólida instituição financeira de todas: o Banco Pai e Mãe Ltda. Havia pedido em Veneza e depois em Gênova, em pleno desespero, que me depositassem tanto dinheiro na conta do Banco do Brasil quanto me enviassem um tutu via Western Union. O magnífico Santander, apesar das promessas do auto-atendimento, não havia liberado meu cartão para saques internacionais e eu, tal qual a expedição de Scott ao Pólo Sul,. tão perto da abundância, dispondo de mais de dois mil merréis, estava, entretanto, à beira da aniquilação. Assim que recebi o imêiol da Sra. Minha Mãe, a espinha gelou-me. O dinheiro enviado só poderia ser sacado das Western Unions italianas - e agora estava falido a poucas horas do reveiom. Tentei de qualquer jeito tirar a grana pela Alemanha, mas não foi possível. Por uma intervenção divina, o caixa eletrônico cuspiu-me alguns euros e, perdulário que sou, com não mais do que cinqüentinha, voltei-me a sentir o rei da cocada preta, o bilionário.
Entrei em 2009 já com o pé esquerdo: bem cedinho, sob o tolo conselho da mãe, voltei à Itália para recolher o depósito, tendo uma agência a um cuspe do albergue. Depois de cortar os Alpes pela terceira vez, desci em Bolzano, onde tudo estava fechado; com o coração na garganta e vinte e cinco euros, jogo todas minhas fichas em Verona. A mesma triste visão da outra cidade: o guichê soturnamente fechado. Houve um dilema decisivo: ou permanecia em Verona (na estação naturalmente!), esperava o dia seguinte, voltava a nadar em dinheiro, mas perdia fatalmente meu vôo para casa no dia 3; ou corria logo para o trem de volta a Munique e daí a Paris e daí a Madri e enfim chegava em cima da bucha no aeroporto. Tomei a segunda decisão e implorei para que me transferissem o cascalho para a França e dessem uma fortalecida na minha subnutrida conta corrente.
(Na volta da Itália enquanto relia A Maravilhosa História de Peter Schlemihl, que vendera sua sombra para o Diabo, lastimava a inexistência no mundo real dessa vantajosa linha de crédito!)
Perto das 23:00, pegava o trem noturno para a Cidade Luz, cansado, falido e com fome. Tão deplorável era meu estado que fiquei goderando a garrafa d'água das duas australianas e da simpática francesinha que fedia a cebola que dividiam a cabine comigo. Ao revés das recomendações coladas na parede, para matar a sede fui beber água da bica do banheiro do vagão.
Desembarquei em Paris em grande estilo: cinco euros e alguns centavos. E o mendigo vem-me na Gare d'Est pedir-me esmolas sem compreender que estava em maiores apuros do que ele! A conclusão dessa dramalhão financeiro é que, por zicas no CPF materno (tsc, tsc...), a grana não pode ser transferida para a França, e tive de livrar meu rabo com o que me fora depositado.
Paris conheci em pânico, a correr as ruas carregando a bolsa estropiada e a segurar as calças que me caíam. A impressão que me deixou foi de certa monotonia: aquela repetição interminável de apartamentos haussmannianos, todos entre o creme pálido e o cinza tímido. Alguém afirmara-me que se tratava da cidade mais verde da Europa, mas a mim me pareceu tão desarborizada quanto o Atacama ou ainda os subúrbios da Leopoldina. O metrô - país latino não dispensa a burocracia - tinha filas para a compra de bilhete que são desconhecidos até aqui em Pindorama.
Depois das minhas incipientes tentativas de lançar um italiano autodidático em Veneza, na França julguei mais prudente regressar ao inglês, cujo domínio, felizmente, fui reconquistando. Aquela história de que se torce o nariz quando se fala o idioma do rival na França é algo balela até porque a coisa que menos há em Paris é francês: decerto é muito mais fácil encontrar alguém que fale alguma das 483 línguas da Tanzânia do que alguém que domine a língua de... afinal qual é o escritor nacional da França?! Bem verdade que um senhor fizesse questão de responder-me em francês (e tive de dar-me por vencido) e a maldita atendente do McDonald's que deve haver fingido não entender uma frase nada complexa e que ela mesma ouve cem vezes por dia como é o pedido dum Big Mac.
Crente que estava tudo certo vou reservar - país latino não dispensa a burocracia - e constato que não há mais poltronas disponíveis e, se quiser uma, que pegue o trem do dia seguinte! Sem outra alternativa, pago setenta (!!!) euros por um leito e vou dormindo para Madri.
Enquanto nos aproximávamos da Cidade Maravilhosa ao cair da noite de sábado, que vergonha não senti ao ver os olhos famintos da grigalhada, lançando-se maravilhados para além das janelinhas estreitas sobre... as favelas da Linha Vermelha! Tive de suplicar à italiana ao meu lado de poupar-se àquela vista que me corava as faces. Além de não sermos nada, nada temos ou destruímos aquilo que tínhamos...
É o fim, meus caros. Agora resta-me ser baleado na escola municipal ou tocar meu futuro medíocre pelos subúrbios cariocas...
Aprontei muita confusão pela Europa e passei poucas e boas com aquela turminha (tirei isso dos anúncios de filmes da Sessão da Tarde). Por falar em turminha, cabe aqui apresentar uma foto dos colegas de turma, o "liebe Leute". Á primeira vista pode ressumbrar tela de seleção de personagem do Street Fighter, mas não é, até porque geral está com cara de drogadaço nesta foto.
Da esquerda para direita: Elena (Volgogrado, mais conhecida como Stalingrado, Rússia), o nojento ser que todos conhecem, Ulrikke (Oslo, Noruega), Henry (Joanesburgo, África do Sul), Sharon (Cidade da Guatemala, mas no momento vivendo em Londres e a ponto de se mudar para Berlim - menina internacional, uai!), o careca David (Brighton, Inglaterra), a figuraça Prof.ª Felicitas Görtz (nascida na Bavária, mas com raízes na Prússia Oriental, Estado antecessor da Antiga Neo-Prússia), Emre sentado pagando de gostosão (Istambul, Turquia), André (Salvador), Rita (Rio de Janeiro), Jean (Fortaleza), Miya, que chegou de pára-quedas nos últimos dias (Kyoto, Japão), Juliana (Košice, aquele país que todo mundo confunde com a Eslovênia, ah sim!, a Eslováquia) e Martine (Estrasburgo, França); falta aí Scott (Los Angeles, EUA). Bonde dos brazucas domina! O povo aqui nem sabe falar português e quer se meter com o alemão!

O renomado psiquiatra Álvaro Figueiró, de Genebra, discursa sobre os modernos tratamentos contra a obsessão de consultar imêiols, tendo ao lado o advogado especializado em separações, Dr. Emre, e o moderador do debate, Dr. Jean: "Quando eu era um jovem psiquiatra, tinha uma piedosa crença na lobotomia, mas hoje sou partidário do eletrochoque. E no fim das contas não há novidade alguma na compulsão em escrever imêiols, já que toda a Humanidade é doente. No passado era a mania de cartas e datilografia."

Se essa foto alpina te passa a impressão de frio, dê um confere na de abaixo.

Parece um tênis Montreal modelo 1978, daqueles cujas placas publicitárias sempre pintam num Ponte Preta X Guarani do "Gol, o Grande Momento", mas em verdade trata-se dum medíocre trem espanhol parado na estação de Chamartín.
E agora Paris a toque de caixa, sem torre Eiffel, sem Arco do Triunfo, sem Champs-Élysées, sem Notre Dame, sem Sacré-Cœur, sem Tulherias, sem sequer franceses!


A prova de que o teletransporte já foi inventado: um prédio de Copacabana implantado no meio de Paris.



FINIS LAUS DEO.


MMVIII-MMIX


Nenhum comentário: